Medicina integrativa na prática da oncologia

Nunca imaginaria que ser familiar de um paciente com câncer ampliaria tanto os meus horizontes.

Sempre fui oncologista de ambulatório, atendendo com carinho, mas focada em prescrever os tratamentos oncológicos e as medicações para o combate aos efeitos colaterais. Dava orientações sobre a importância de bons hábitos de vida, mas nunca me aprofundava. Nunca soube que podia ir muito mais além.

Na minha busca em como oferecer um olhar mais humanizado e completo, tanto ao tratamento do meu pai, como aos meus pacientes, encontrei a medicina integrativa.

Em um tempo em que o câncer tornou-se uma das doenças mundiais mais incidentes, com tratamentos que cada vez prolongam mais a vida dos pacientes, qualidade de vida tornou-se uma palavra de ordem.

Vale lembrar ainda que se trata-se de um diagnóstico impactante, que traz um leque de questões profundas a serem abordadas no dia a dia.

Pensando no contexto mundial, e não só na área de saúde, colocar o ser humano como centro da atenção é também uma tendência. As ações de marketing estão voltadas para o altruísmo e para a valorização das pessoas na sua individualidade. Quem não acompanhar esse direcionamento vai se afastar da demanda social em voga.

Tudo isso não começou agora. Sabemos que desde sempre a prática da medicina é focada no paciente como um todo. O médico tratava seus pacientes em seus lares, junto de suas famílias, entendendo seu contexto social e cultural. Foi no século XX que vimos parte dessa ruptura, com a chegada de medicações como os antibióticos (que colocaram a doença como foco) e a criação dos hospitais. As escolas de medicina ensinam que o papel do médico é curar doenças e, de preferência, sem nenhum envolvimento com o doente.

Estamos na busca do que fomos um dia, mas agora mais embasados cientificamente e em tempos modernos. A medicina integrativa está inserida nesse caminho e a oncologia tem um público ávido pelo olhar humanizado, por práticas de autocuidado e por escuta empática e todos os preceitos que carrega consigo.

Integrativa… não confundir com alternativa

Depois que me pós-graduei em medicina integrativa, encontrei alguns olhares de estranhamento dos meus colegas. Muitos confundem o termo “integrativa” com “alternativa”. Acho justa a preocupação, já que comprovadamente abrir mão do tratamento convencional (como a medicina alternativa pode sugerir), piora a sobrevida global dos pacientes com câncer.

Mas proponho que, ao menos, conheçam a medicina integrativa. Principalmente porque a maior parte dos pacientes em tratamento de câncer faz uso de algum tratamento complementar. E pasmem, 40% a 70% deles não comentam esse fato com seu médico assistente. Situação que preocupa, pois algumas terapias não convencionais podem interagir com a quimioterapia e hormonioterapia, entre outras. É fundamental que a relação profissional de saúde-paciente seja uma parceria, onde esse último não tenha receio de falar de suas crenças e possa se aprofundar nas práticas que adota em sua rotina.

Quando penso em todos os benefícios que tenho a chance de proporcionar no meu dia a dia, fico feliz de ter seguido esse caminho apesar do “pré-conceito” que muitas vezes percebi ao falar em oncologia integrativa.

Dor e fadiga: o leque de opções integrativas

Vejam que 100% dos pacientes queixam-se de fadiga durante o tratamento de câncer e cerca de 35% permanecem com ela após o término. Lembrando que esse sintoma, muitas vezes, não é apenas físico, ele vai além. Engloba aspectos emocionais e sociais. Quantas vezes minha conduta se limitou a prescrever alguma medicação e explicar que, com o tempo, a tendência era melhorar.

Hoje, seguindo as diretrizes dos principais estudos e sociedades oncológicas, não só avalio melhor a fadiga, mas agrego uma equipe interdisciplinar e práticas complementares. Nesse contexto, podemos/devemos incluir nutricionista, atividades físicas, psicólogo, meditação, yoga, acupuntura, etc. Sempre dentro do contexto pessoal e cultural de cada indivíduo. Estimulando o autocuidado e autoconhecimento.

Da mesma forma, sabemos que a dor é uma queixa muito frequente em nossos pacientes. E, novamente, abrimos um leque de opções para o tratamento. Vivi situações em que o uso das medicações mais “fortes” não foi capaz de aliviar a dor. Qual não foi a surpresa ao constatar que estar presente, com o toque terapêutico, trouxe algum alento? E, assim, podemos agregar também acupuntura, exercícios, fisioterapia, aromaterapia, práticas mente-corpo, etc.

Dessa forma, faço o controle de todos os sintomas que chegam no dia a dia.

Mesmo quem está “apenas” no controle clínico recebe abordagens integrativas. Aliás, muitas vezes são os que mais sofrem, já que não são mais as mesmas pessoas que eram ao tempo do diagnóstico (tanto física como psicologicamente) e se cobram o retorno à vida que tinham antes. O medo da recidiva é um companheiro frequente, que traz ansiedade, insônia e vários outros sintomas que podem se perder numa abordagem não acolhedora.

Gosto também de sempre mencionar os familiares. Algumas pesquisas mostram que eles sofrem tanto ou mais que o próprio paciente e não é raro percebemos que comparecem abatidos nas consultas.

Assim como o médico que visitava pacientes em casa via além do doente, devemos estender nosso olhar. Tentar direcionar esses indivíduos para o autocuidado faz parte de uma preocupação com nosso próprio paciente. Não podemos curar um câncer e permitir um adoecimento em paralelo.

Reencontro ao essencial

Que consigamos ter calma sempre. Estar atentos ao que nos propomos quando iniciamos o caminho na medicina: cuidar. Ver o paciente como um indivíduo em todas as suas complexidades: sociais, espirituais, mentais e físicas.

Não raro, percebo na tristeza do paciente uma desconexão com o que realmente importa em sua vida. Muitas vezes, nossa rotina corrida nos faz esquecer o que nos deixa felizes. Uma das grandes belezas da oncologia é poder fazer parte do reencontro ao essencial. Mas para isso, precisamos estar atentos e conectados a quem é de direito: o nosso paciente. A medicina integrativa foi a alavanca para que eu percebesse esse caminho.


Dra. Sabrina Rossi Perez Chagas – Pós-graduada em Medicina Integrativa pelo Hospital Albert Einstein, médica oncologista clínica na Oncologia D’Or, professora responsável pela cadeira de Oncologia da Pós-graduação de Mastologista da PUC – Pontifícia Universidade Católica, membro da Academia Brasileira de Medicina de Reabilitação, Vice-presidente do Instituto Nosso Papo Rosa e autora do livro Como estamos? Uma história sobre o câncer de mama, fé e coragem.