Microbiota intestinal e câncer colorretal: os efeitos benéficos dos probióticos

A nutrição funcional vem crescendo nos últimos anos e um exemplo de alimentos funcionais que tem sido foco de intensas pesquisas refere-se àqueles processados com probióticos.

Dentre os potenciais efeitos protetores dos probióticos, pode-se destacar a inibição do desenvolvimento do câncer colorretal, que está intensamente relacionada a hábitos de alimentação do indivíduo. Acredita-se que o elevado consumo de gorduras saturadas, associado ao baixo consumo de fibras, possa contribuir para o aumento do risco de ocorrência desse tipo de câncer.

Além disso, a microbiota intestinal parece desempenhar um papel importante na etiologia da doença. Existem muitas evidências a partir de estudos in vitro e in vivo que indicam que os probióticos são capazes de modular beneficamente a microbiota intestinal e contribuir para a prevenção do câncer de cólon.

Câncer de cólon

A neoplasia de cólon e de reto é a terceira causa mais comum de câncer no mundo em ambos os sexos e a segunda causa em países desenvolvidos. Possui índice de sobrevida de 5 anos em 63% dos casos, reduzindo a 10% naqueles com diagnóstico de metástases.

Esse tipo de neoplasia abrange tumores que atingem o cólon e o reto. De acordo com o INCA (Instituto Nacional de Câncer), tanto homens como mulheres são igualmente afetados, sendo doença tratável e frequentemente curável, quando apenas localizada no intestino.

O número de casos novos de câncer de cólon e reto estimado para o Brasil no ano de 2018 é de 17.380 homens e 18.980 mulheres. Esses valores correspondem a um risco aumentado de 13 casos novos a cada 100 mil homens e 15 para cada 100 mil mulheres.

O fator de risco mais importante para esse tipo de neoplasia é a história familiar de câncer de cólon e reto e predisposição genética ao desenvolvimento de doenças crônicas do intestino (como as poliposes adenomatosas), além de dieta com base em gorduras animais, baixa ingestão de frutas, vegetais e cereais, assim como consumo excessivo de álcool e tabagismo. A idade também é considerada fator de risco, uma vez que tanto a incidência como a mortalidade são maiores com o aumento da idade. A prática de atividade física regular está associada a baixo risco de desenvolvimento do câncer de cólon e reto.

Alguns mecanismos explicam como as bactérias contribuem para sua patogenicidade, sendo um deles a presença de alterações na microflora intestinal que facilitam o desenvolvimento de processos inflamatórios. Outro fator contribuinte é a promoção da ativação de componentes carcinogênicos e a produção de compostos mutagênicos, como os radicais livres.

Probióticos

O termo probiótico é derivado do grego, significando “para a vida”. Foi primeiramente utilizado em 1965 e vem recebendo muitas denominações conceituais. Entretanto, a definição aceita internacionalmente é que probióticos são microrganismos vivos, administrados em quantidades adequadas, que conferem benefícios à saúde do hospedeiro.

Bactérias pertencentes ao gênero Lactobacillus, como Lactobacillus rhamnosus GG, Bifidobacterium e, em menor escala, Enterococcus faecium, assim como os fermentados Saccharomyces boulardii, são mais frequentemente empregadas como suplementos probióticos para alimentos, uma vez que elas têm sido isoladas de todas as porções do trato gastrointestinal do humano saudável. A correção das propriedades da microbiota autóctone desbalanceada constitui a racionalidade da terapia por probióticos.

Admite-se que no intestino os probióticos sejam capazes de ocupar nichos da mucosa, impedindo, desse modo, que patógenos ocupem esses sítios. Além disso, as bacteriocinas, produzidas a partir de componentes proteicos dos lactobacilos, são capazes de exercer ação local semelhante aos antibióticos contra organismos patogênicos e de diminuir a produção de citocinas pró-inflamatórias, tais como o interferon gama, fator de necrose tumoral-alfa e interleucina 2. Também apresentam capacidade de estimular a produção da imunoglobulina A, conforme estímulo de sua produção com o uso do Lactobacillus casei CRL 431, indicando ativação do sistema autoimune.

Os probióticos são geralmente administrados em situações de distúrbios intestinais, promovidos por fatores específicos, dentre os quais têm-se: dietas inadequadas, alguns medicamentos que não sejam antibióticos, desequilíbrios clínicos e cirurgias do aparelho digestivo, enfim, situações que promovem ruptura da flora do trato gastrointestinal e, por consequência, tornam o hospedeiro suscetível a doenças como, por exemplo, diarreia induzida pelo uso de antibióticos, colite pseudomembranosa e supercrescimento bacteriano do intestino delgado.

Microbiota intestinal

A superfície interna do intestino delgado parece lisa e escorregadia, mas vista através do microscópio é enrugada em centenas de dobras. Cada dobra é contornada por centenas de projeções denominadas vilosidades, cujas células reconhecem e selecionam os nutrientes de que o corpo precisa e regulam sua absorção. Nas fissuras entre as vilosidades estão as criptas – glândulas tubulares responsáveis pela secreção de alguns produtos intestinais. Associados ao epitélio secretor encontram-se os linfócitos intraepiteliais, participantes da defesa imunitária local.

Adicionalmente, as secreções do trato gastrointestinal – saliva, muco, ácido gástrico e enzimas digestivas – não só promovem a digestão, como defendem o organismo contra microrganismos presentes nos alimentos. A proliferação rápida das células da mucosa do sistema digestório torna-as especialmente vulneráveis à quimioterapia, resultando em mucosites, ulcerações e diminuição da capacidade de absorção.

O intestino é, portanto, estrutura complexa, formada principalmente por três componentes que estão em contato permanente e se relacionam entre si: as células intestinais, os nutrientes e a microbiota.

O sistema digestório abriga flora com mais de 500 espécies de bactérias e cuja distribuição não é homogênea ao longo de sua extensão. O estômago e o intestino delgado contêm poucas espécies tanto aderidas ao seu epitélio, como livres no seu lúmen. Já o cólon contém complexo e dinâmico ecossistema microbiótico, com grande concentração de bactérias, chegando a atingir mais de 1011 a 1012 unidades formadoras de colônia por mililitros. Dentre elas estão as bifidobactérias e lactobacilos, consideradas bactérias não patogênicas ou benéficas, pois desempenham atividades biológicas positivas na saúde humana e, por isso, são alvos comuns das intervenções dietéticas.

Os componentes da dieta são alguns dos vários fatores que influenciam a população de bactérias e seu meio ambiente. Por exemplo: as bactérias do trato intestinal digerem as fibras dietéticas, produzindo os ácidos graxos de cadeia curta que os colonócitos utilizam para fins energéticos. Adicionalmente, as bactérias hidrolisam a ureia proveniente do fígado, gerando a amônia (NH3 +) e, a partir dela, sintetizam os aminoácidos de que necessitam. Essas bactérias sintetizam várias vitaminas (biotina, folato, vitamina B6, B12), incluindo quantidade significativa de vitamina K, embora insuficiente para satisfazer as necessidades totais do corpo. A homeostase dessas comunidades bacterianas é mantida pelo equilíbrio que é determinado pelos próprios microrganismos desse ambiente.

Estudos in vitro e in vivo têm demonstrado que o ecossistema bacteriano intestinal normal representa barreira extremamente efetiva, em oposição a microrganismos patogênicos e oportunistas, através do equilíbrio entre as espécies de bactérias residentes. Assim, situações de desequilíbrio entre espécies podem representar potencial ameaça para o surgimento de diversas doenças, associadas ou não à diminuição da defesa imunológica do hospedeiro. A competição por nutrientes e espaço, a inibição de um grupo bacteriano através dos produtos metabólicos de outro e, ainda, predação e parasitismo, geralmente contribuem para o equilíbrio das populações. Logo, a flora intestinal pode proteger os indivíduos contra infecções. Por outro lado, o distúrbio dessas populações de microrganismos, como nas diarreias agudas ou nas intervenções dietéticas restritivas, pode romper esse equilíbrio e aumentar a suscetibilidade às infecções, como Clostridium difficile (associado com colites pseudomembranosas) e presença de Shigella, Vibrio cholera, Escherichia coli patogênica, Campylobacter e rotavírus, que ainda são os determinantes de grande número de mortes. Adicionalmente, o uso muitas vezes indiscriminado de antibióticos determina aumento da incidência de patógenos microbianos antibiótico-resistentes. Bactérias comensais, como Enterococcus faecalis e Escherichia coli, estão relacionadas ao câncer colorretal desde que os sítios dessas neoplasias intestinais coincidam com as regiões em que essas bactérias estejam presentes em grandes quantidades.

O consumo de laticínios fermentados pode oferecer algum efeito protetor contra adenomas ou carcinomas do cólon. Pressupõe-se que microrganismos selecionados seriam capazes de proteger o hospedeiro contra atividades carcinogênicas, através de três mecanismos.

  1. Os probióticos seriam capazes de inibir as bactérias responsáveis por converter substâncias pré-carcinogênicas (como os hidrocarbonetos policíclicos aromáticos e nitrosaminas) em carcinogênicas.
  2. Estudos em animais de laboratório têm demonstrado que alguns probióticos inibem diretamente a formação de células tumorais.
  3. Algumas bactérias da flora intestinal têm mostrado capacidade de ligação e/ou inativação carcinogênica.

Existem referências quanto à habilidade que os lactobacilos e as bifidobactérias teriam em modificar a flora intestinal e reduzir o risco de câncer pelas suas possíveis capacidades de diminuir as enzimas β-glicuronidase e nitroredutase, produzidas por bactérias patogênicas. A redução dessas enzimas leva à hidrólise de compostos carcinogênicos, diminuindo, assim, as substâncias nocivas. Estudos em animais revelaram que o consumo de iogurtes reduziu a atividade dessas enzimas, indicando possível mecanismo pelo qual os probióticos podem prevenir o câncer colorretal. Outros estudos concluíram que ratos tratados com B. longum reduziram em 30% a atividade da β-glicuronidase, enquanto redução de 55% foi observada naqueles tratados com o probiótico B. longum combinado ao prebiótico inulina, comprovando assim, melhor eficácia quando utilizados os simbióticos. Em concordância, estudos em humanos mostraram que o consumo de Lactobacillus casei Shirota e Lactobacillus acidophilus também reduziu significativamente a atividade dessas enzimas. Em outro estudo, pacientes com câncer colorretal foram suplementados com L. acidophilus (aproximadamente 3 x 1011 lactobacilos por dia), por período de seis semanas e obtiveram redução de 14% na atividade da enzima β-glicuronidase.

Evidências mais diretas para as propriedades protetoras de probióticos e prebióticos contra o câncer englobam a prevenção de danos e mutações do DNA, considerados como evento primário no processo de carcinogênese. Ratos alimentados com dieta contendo 3% do prebiótico lactulose e tratados com o carcinógeno DMH (1,2-dimetilhidrazina) apresentaram menores danos ao DNA de células do cólon, quando comparados com ratos alimentados com sacarose, sendo que nesses animais a percentagem de células com danos graves no DNA foi de 33%, em comparação com apenas 12,6% daqueles tratados com lactulose.

Esses resultados evidenciam que tanto os probióticos quanto os prebióticos possuem efeitos protetores contra os estágios iniciais de câncer de cólon.

Prevenção

Uma dieta rica em fibras, composta de alimentos como frutas, verduras, legumes, cereais integrais, grãos e sementes, além da prática de atividade física regular, previne o câncer colorretal. Deve-se evitar o consumo de bebidas alcoólicas, de carnes processadas e de quantidades acima de 300 gramas de carne vermelha cozida por semana.

Alguns fatores aumentam o risco de desenvolvimento da doença, como idade acima de 50 anos, história familiar de câncer colorretal, história pessoal da doença (já ter tido câncer de ovário, útero ou mama), além de obesidade e inatividade física.

Também são fatores de risco doenças inflamatórias do intestino, como retocolite ulcerativa crônica e doença de Crohn, bem como doenças hereditárias, como polipose adenomatosa familiar (FAP) e câncer colorretal hereditário sem polipose (HNPCC).


Mari Uyeda – Mestre em Ciências da Saúde, nutricionista e professora do Departamento de Ciências da Saúde da Pós-graduação da Universidade Nove de Julho.

Fabian Friedrich – Farmacêutico-bioquímico, especialista, mestre, doutor e pesquisador em Biologia Molecular, Prefeitura Municipal em Blumenau/SC.