Neuroarquitetura aplicada aos espaços de saúde: o papel do ambiente na criação de experiências mais saudáveis

Ao atender um paciente, buscamos estratégias para que ele tenha a melhor experiência ao longo de todo o processo de atendimento e recupere-se da melhor maneira possível.

Em meio às várias estratégias que podemos combinar, um aliado muitas vezes não valorizado o suficiente é o ambiente físico.

O ambiente influencia a experiência de todos que utilizam espaços clínicos: da equipe de profissionais de saúde até os pacientes. Mais do que isso: essa influência não é neutra. Ela pode ser positiva – facilitando a recuperação de pacientes, por exemplo, ou mesmo o bem-estar e a performance dos profissionais que ali trabalham – ou negativa, prejudicando todos os envolvidos.

Por isso, entender melhor como o ambiente físico pode nos afetar e repensar os espaços clínicos é um importante passo para conseguirmos criar soluções mais eficientes e oferecer experiências de atendimento e tratamento mais completas e satisfatórias.

Esse é um dos propósitos da área emergente de conhecimento conhecida popularmente como neuroarquitetura. O seu nome já deixa clara a sua interdisciplinaridade, que surge da combinação da neurociência com a arquitetura. Mas essa área integra campos que vão além desses dois aqui mencionados.

Sempre com o foco em investigar e compreender mais a fundo a complexa relação indivíduo-ambiente, a neuroarquitetura engloba várias disciplinas, tanto as de design espacial como aquelas que investigam o ser humano sob diferentes óticas, como por exemplo a social, a cultural, a emocional, a mental, a genética e a fisiológica, entre outras.

Sendo assim, essa área, cujo nome faz alusão apenas à neurociência e à arquitetura, busca integrar, além delas, o design de interiores, o urbanismo, o paisagismo, a psicologia, a ciência cognitiva, a antropologia, a sociologia e as disciplinas que investigam outros sistemas no nosso organismo além do nervoso, como o sistema endócrino e o cardiovascular.

Vale destacar que a aplicação da neuroarquitetura também é chamada de design baseado em evidências (Evidence Based Design – EBD). Essa prática surgiu inspirada na medicina baseada em evidências, que busca fundamentar decisões sobre tratamentos nas melhores evidências científicas disponíveis, de maneira consciente, explícita e cuidadosa.

No caso do design baseado em evidências, estudos científicos que investigam as influências do ambiente – ou características específicas do ambiente, como a iluminação, o layout, as cores, os materiais, etc. – no organismo humano servem de base para a tomada de decisão na hora de pensar diferentes tipos de espaços, inclusive clínicas, consultórios e hospitais.

Interação entre ambientes internos e natureza e seus reflexos nos níveis de estresse, atenção e memória

Talvez um dos exemplos mais conhecidos de como a neuroarquitetura vem alterando o design de clínicas e espaços de saúde seja o estudo conduzido por Roger Ulrich, em um hospital nos Estados Unidos e publicado em 1984.

Ulrich observou que pacientes que se recuperaram de uma cirurgia em quartos com janelas que tinham vista para uma paisagem natural apresentaram estadias hospitalares mais curtas, receberam menos comentários avaliativos negativos por parte da equipe de enfermagem e tomaram menos analgésicos potentes do que os pacientes em salas semelhantes com janelas voltadas para um prédio. Em outras palavras, nesse caso, a vista da janela – um detalhe pontual do ambiente do quarto que conta com várias outras características além das janelas – influenciou a velocidade de recuperação e até mesmo a percepção de dor dos pacientes (Ulrich, 1984).

Ulrich continuou seus estudos nesse campo desde estão e foi o autor da Teoria da Redução de Estresse, que defende a ideia de que o contato positivo com a natureza pode ajudar a reduzir os níveis de estresse do nosso organismo em diferentes ambientes e situações (Ulrich e colaboradores, 1991; Ulrich, 1992).

Além da redução do estresse ser positiva para a saúde como um todo, ela também se reflete na diminuição de comportamentos agressivos de diversos tipos de pacientes, como aqueles em clínicas psiquiátricas (Ulrich e colaboradores, 2018) e até idosos com Alzheimer em instituições de longa permanência (Mooney e Nicell, 1992).

Vale destacar que esse efeito do ambiente não beneficia apenas pacientes. Funcionários da saúde também trabalham em condições de intensa pressão psicológica e precisam de ambientes que os ajudem a reequilibrar seus níveis de estresse crônico.

Nesse contexto, uma série de estudos também aponta para outro efeito benéfico de ambientes que proporcionem conexões positivas com a natureza: o restauro da atenção. Pesquisas realizadas em diversos tipos de locais de trabalho e estudos indicam que determinadas exposições à natureza proporcionadas pelo espaço construído ajudam a renovar a atenção após o gasto de recursos mentais. Por exemplo: um estudo realizado em 2008 observou que o desempenho da memória e a capacidade de atenção aumentaram em 20% depois que os participantes passaram uma hora interagindo com a natureza (Berman e colaboradores, 2008).

É interessante destacar que as investigações nesse campo não se limitam às experiências da natureza real, dado que no ambiente clínico existem limitações para trazer vegetação para espaços internos. Pati e colegas, por exemplo, investigaram se a incorporação de natureza simulada, na forma de composições fotográficas do céu montadas no teto, influenciaria a satisfação em relação ao ambiente e os níveis de estresse dos pacientes. Segundo o estudo, a satisfação no grupo experimental foi 12,4% maior do que no grupo de controle e os níveis de estresse e ansiedade dos indivíduos do grupo experimental foram 53,4% e 34,79% menores, respectivamente.

Bem-estar físico, mental e emocional para pacientes e funcionários

Essa série de discussões sobre os impactos do design em hospitais e espaços de saúde vêm provocando mudanças drásticas, com a incorporação não apenas de vegetação nas áreas externas, mas de estratégias para criar uma atmosfera mais acolhedora nos vários espaços internos.

O uso de iluminação mais amarelada e de cores mais quentes para os acabamentos numa sala de espera, corredor ou quarto, por exemplo, pode ajudar a trazer sensação de aquecimento e aconchego. Pisos e móveis que imitam madeira também podem contribuir para a experiência dos usuários, ajudando a criar a sensação de um espaço mais amigável e receptivo, como uma residência, invertendo assim a expectativa dos pacientes de encontrarem ambientes excessivamente brancos e frios normalmente associados a clínicas.

Exemplos que ilustram essas mudanças no design de clínicas, consultórios e hospitais incluem o Östra Psychiatric Hospital, em Gotemburgo, na Suécia, e os centros de acolhimento Maggie, no Reino Unido.

A clínica psiquiátrica Östra foi reformada em 2007, buscando aplicar o design baseado em evidências, no intuito de criar experiências mais positivas para pacientes, familiares e equipes que trabalham ali. O novo projeto incluiu jardins de inverno – que além de possibilitarem maior conexão com a natureza também permitem a entrada de luz natural nos ambientes internos, bem como uma setorização dos ambientes, de modo a criar zonas de maior exposição e interação social e zonas mais privativas e tranquilas (Ulrich e colaboradores, 2018). Dados coletados antes e depois da reforma mostram que houve melhoras perceptíveis no número de injeções compulsórias e restrições. Outro benefício observado foi a diminuição no absenteísmo dos funcionários.

Os centros de acolhimento Maggie no Reino Unido também trazem uma nova abordagem para espaços de saúde, com foco em proporcionar conforto para qualquer pessoa que tenha sido afetada pelo câncer. Maggie Keswick Jencks foi uma escritora, jardineira e designer diagnosticada com câncer de mama, que se incomodou com a frieza e falta de humanidade dos ambientes nos quais os pacientes recebem notícias sobre sua saúde. Ela e Charles Jencks, seu marido, perceberam que espaços como uma sala de espera e até mesmo um corredor ou um banheiro podem oferecer mais conforto e esperança para pacientes e familiares em situações de vulnerabilidade. Maggie e seu marido iniciaram juntos o projeto dos centros que hoje estão espalhados em várias cidades do Reino Unido e são um exemplo de arquitetura mais humana nos espaços de saúde.

Esse é um case que ilustra a importância de nos atentarmos para todos os ambientes que compõem uma clínica ou consultório, considerando a delicada situação emocional de pacientes e familiares, assim como das equipes que trabalham sob pressão.

É preciso ter em mente que o papel do ambiente de saúde na vida do paciente vai além de facilitar a recuperação, englobando todas as esferas do bem-estar, incluindo a emocional.

Nesse sentido, hospitais e clínicas infantis vêm se destacando no cuidado com a criação de espaços que sejam aliados das equipes médicas e de enfermagem na hora de examinar, diagnosticar e tratar os pacientes. Por exemplo: os aquários construídos em salas de quimioterapia pediátrica de hospitais públicos no Rio de Janeiro e o tomógrafo transformado em submarino, também no Rio de Janeiro, trazem elementos lúdicos para o ambiente, criando uma atmosfera mais acolhedora e convidativa para locais que, sem isso, podem parecer muito mais assustadores (Instituto Desiderata, 2017).

Mais uma vez, pesquisas realizadas antes e depois das reformas introduzindo tais elementos mostram que o ambiente mais humanizado melhorou a experiência tanto do ponto de vista dos pacientes como dos acompanhantes e dos profissionais. Além disso, nesse caso do tomógrafo submarino, o tempo de espera na fila para o exame diminuiu consideravelmente, já que as crianças, menos ansiosas, não apresentavam tantas dificuldades para a realização da tomografia.

Ambientes acolhedores vs. ambientes “neutros” e funcionais

Neste artigo, foram abordadas algumas das evidências científicas que mostram o potencial que o ambiente tem de afetar nossa saúde, performance e bem-estar, bem como alguns exemplos de cases de sucesso nessa área.

Mas vale destacar que o corpo de pesquisas existentes nesse campo e os cases de espaços de saúde que aplicaram conceitos da neuroarquitetura estendem-se para muito além do que foi apontado aqui.

As situações mais extremas vivenciadas pelas pessoas nos espaços de saúde – seja a de vulnerabilidade e tensão de pacientes e acompanhantes ou a de pressão e responsabilidade dos profissionais – faz com que tais espaços desempenhem um papel importante para a experiência e o bem-estar de todos os envolvidos.

Isso vale para cada ambiente do projeto, incluindo aqueles de transição, como a sala de espera, uma escada, um corredor ou elevador. Esses espaços ajudam a moldar as expectativas daqueles que estão chegando ou aguardando atendimento, podendo diminuir – ou aumentar – os níveis de ansiedade, dependendo dos estímulos que oferecem.

Não podemos nos contentar com a criação de ambientes apenas funcionais e “neutros”, que não afetem nem positiva nem negativamente as pessoas. Um ambiente que não ajuda na recuperação dos pacientes, que não traz sensação de acolhimento e um certo apoio emocional e que não auxilia na manutenção do bem-estar geral de todos os envolvidos está consequentemente prejudicando seus usuários.

Como o famoso arquiteto Richard Neutra já havia apontado há décadas, mesmo que a gente não note a nocividade do design ao nosso redor, isso não significa que nós não estamos sendo afetados negativamente por ele (Neutra, 1955).

Por isso é tão importante que arquitetos, designers e profissionais da saúde se unam para criar espaços que sejam aliados de médicos, enfermeiros, auxiliares e pacientes ao longo de todo o processo de atendimento, tratamento e recuperação.


Andréa de Paiva – Master of Arts, pela Middlesex University, em Londres, arquiteta e urbanista, pela USP – Universidade de São Paulo, consultora de NeuroArquitetura, certificada em Design Thinking, pelo MIT – Massachusetts Institute of Technology, de Boston, membro do Conselho da Academy of Neuroscience for Architecture – ANFA), vice-chair do ANFA Chapter Brazil, coordenadora do curso de Interiores & Neurociência: design focado em pessoas, no IED – Istituto Europeo di Design, criadora e coordenadora de cursos de neurociência aplicada aos negócios na FGV – Fundação Getulio Vargas e na FAAP – Fundação Armando Álvares Penteado e idealizadora do NeuroAU.

 

Referências bibliográficas

Berman, M. G., Jonides, J., & Kaplan, S. (2008). The cognitive benefits of interacting with nature. Psychological science, 19(12), 1207–1212.

Instituto Desiderata (2017). Pesquisa de Satisfação Realizada Nos Hospitais Com Aquário Carioca, Hospedaria Juvenil E Submarino Carioca, Rio de Janeiro. Disponível em https://desiderata.org.br/wp/wpcontent/uploads/2019/01/pesquisa_de_satisfac%CC%A7a%CC%83o_humanizac%CC%A7a%CC%83o_ 2017-1.pd.

Mooney, P., & Nicell, P. L. (1992). The importance of exterior environment for Alzheimer residents: Effective care and risk management. Healthcare Management Forum, 5(2), 23-29.

Neutra, R. S. (1954) Survival through design. Oxford University Press, New York, 1954.

Pati, D., Freier, P., O’Boyle, M., Amor, C., & Valipoor, S. (2016). The Impact of Simulated Nature on Patient Outcomes: A Study of Photographic Sky Compositions. HERD, 9(2), 36–51. Disponível em https://doi.org/10.1177/1937586715595505.

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Ulrich, R. S., Simons, R. F., Losito, B. D., Fiorito, E., Miles, M. A., & Zelson, M. (1991). Stress recovery during exposure to natural and urban environments. Journal of Environmental Psychology, 11(3), 201–230. Disponível em https://doi.org/10.1016/S0272-4944(05)80184-7.

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