Sandplay: o inconsciente revelado na areia

O sandplay (jogo de areia ou caixa de areia) é uma técnica terapêutica que se baseia numa metodologia não-verbal, para revelar os conteúdos do inconsciente.

Para a sua realização, utiliza-se uma caixa com areia, em que se procura abarcar os quatro elementos filosóficos de formação da matéria: ar, terra, fogo e água.

A caixa, que é de madeira, juntamente com a areia, representa o elemento terra. O elemento ar está presente através do próprio ar circundante. Se a caixa for devidamente impermeabilizada, será possível acrescentar o elemento água. Já, o fogo é a energia que se coloca no trabalho que está sendo realizado com a caixa de areia (a libido).

Normalmente, a caixa é confeccionada com as seguintes medidas: 50 cm de largura, 75 cm de comprimento e 15 cm de altura. Sua parte interna é pintada de azul (naquelas em que se usa areia seca para simular água). As que podem realmente conter água, são impermeabilizadas com material plástico ou tinta impermeabilizante. Coloca-se, então, areia fina ou de praia. O melhor seria usar terra. Porém, como a terra é compacta, não permite que a pessoa/paciente que for manipular os elementos presentes possa senti-la fluindo entre os dedos.

Além da caixa de areia (sandplay), devem estar disponíveis, no consultório do terapeuta que aplica a técnica, prateleiras que contenham dezenas ou centenas de miniaturas que representem o mundo em que vivemos: objetos de uso comum, imagens de santos e divindades, esculturas da natureza, como árvores e animais, imagens dos diferentes tipos de culturas e de pessoas de vários países, imagens da mitologia, esculturas de pontes, carros, trens, etc., figuras de líderes religiosos, santos e demônios, esculturas de casas e prédios, figuras de animais de estimação e várias outras. Ou seja, tudo que represente a cultura e a natureza tanto universais quanto específicas do lugar em que se dá a terapia.

A caixa deve ser preenchida até a metade com areia alisada, para que a pessoa (criança ou adulto) possa mexer à vontade ou montar uma cena utilizando as miniaturas.

Como forma de registrar o conteúdo expresso pelo paciente, o profissional que está aplicando o método, após a saída do analisando, fotografa ou desenha a cena e, então, a desmancha (nunca enquanto a pessoa ainda estiver presente).

Origens da técnica de sandplay

Em 1911, o escritor inglês H. G. Wells construiu várias miniaturas, tábuas, pranchas e tijolos de madeira, para que seus filhos brincassem e percebeu que a prática dessa atividade diminuía a ansiedade deles. Seu livro sobre o tema, intitulado Floor Games, pode ser considerado como um precursor das técnicas não-verbais de psicoterapia infantil.

Em 1925, Margaret Lowenfeld, psicanalista freudiana inglesa, introduziu alguns materiais, para o tratamento de crianças, que lembravam a futura caixa de areia. Desenvolveu, assim, o que chamou de world technique (técnica do mundo), uma vez que, utilizando-se de uma bandeja cheia de areia e de miniaturas de pessoas e objetos, as crianças, de forma espontânea, criavam seus “mundos’.

Em 1954, Dora Kalff, analista junguiana suíça, assistiu a uma apresentação de Margaret Lowenfeld, interessou-se pelo método e tempos depois fez cursos com ela na Inglaterra.

Levando em consideração os conceitos-chave da teoria junguiana, Dora Kalff introduziu na psicoterapia a caixa de areia aperfeiçoada, não só para crianças como também para adolescentes e adultos.

Teoria junguiana e a técnica de sandplay

Com base na teoria junguiana, a caixa representa o self, um lugar organizado, matriarcal.

As representações feitas por meio das miniaturas favorecem a organização do self e o centro mandálico (em forma de círculo).

Do centro mandálico, emergem as formações da natureza (mundo dos arquétipos primitivos, ligados às pulsões instintivas).

Esses arquétipos levam à formação de complexos de natureza ideoafetiva, que dão origem ao ego.

Trabalho sigiloso e contemplativo

Como se trata de uma exposição do mundo interior e de maneira inconsciente, o analisando que está se expressando com o uso da caixa de areia (sandplay) fica com seu mundo interno “nu” diante do analista. Ou seja, seria como a situação de um cirurgião que abre alguma parte do corpo da pessoa, que não pode sofrer infecção.

Uma vez que o self esteja aberto e projetado, deve haver o maior respeito por parte do analista, que apenas observa a atividade e anota os comentários do analisando.

Depois de muitas cenas construídas, de muitas sessões intermediárias entre essas cenas e de várias conversas terapêuticas, caso o ego tenha se fortalecido e o analisando peça para compreender o que foi construído, só então o analista pode começar a decifrar, juntamente com o analisando, o conteúdo das construções efetuadas na caixa de areia.

O sandplay é uma técnica invasiva, pois a pessoa constrói cenas sem se dar conta de que está sendo analisada profundamente e de como e onde estão sendo expressos seus complexos (suas “feridas”).

Por isso, o método do jogo de areia não deve ser aplicado pelo analista sem um amplo e profundo conhecimento da teoria que lhe dá embasamento e sem supervisão por parte de um outro profissional mais experiente.


Dr. José Rubens Naime – Médico com especialização em Psiquiatria, pela Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), em Psicanálise, pelo Instituto Sedes Sapientae, em Psicologia Analítica, pela Universidade São Francisco e em Psiquiatria e Dependência Química, pela Universidade de Santo Amaro. É professor na UNIFEV, em Votuporanga e supervisor na Unicastelo, em Fernandópolis.