Tarot terapêutico: ponte entre o inconsciente e a consciência

Para muito além da adivinhação, o tarot pode ser utilizado como uma ferramenta de autoconhecimento e, assim como acontece com a análise de sonhos, ele pode nos ajudar a conhecer aspectos do nosso inconsciente profundo e trazê-los para a luz da consciência, ajudando-nos a nos ampliar e direcionar melhor esses aspectos.

Segundo Carl Gustav Jung, psiquiatra e criador da psicologia analítica, a nossa psique possui além do inconsciente pessoal um inconsciente coletivo, que seria uma instância profunda que carrega padrões de comportamentos de toda a história da humanidade.

Isso significa que nós trazemos, em nosso inconsciente, não só questões de nossa vida, nossa infância e experiências intrauterinas, mas também aspectos da nossa ancestralidade e padrões de comportamentos que são tipicamente humanos.

“Uma camada mais ou menos superficial do inconsciente é indubitavelmente pessoal. Nós a denominamos inconsciente pessoal. Este porém repousa sobre uma camada mais profunda, que já não tem sua origem em experiências ou aquisições pessoais, sendo inata. Esta camada mais profunda é o que chamamos inconsciente coletivo”, esclarece Jung. “Optei pelo termo ‘coletivo’ pelo fato de o inconsciente não ser de natureza individual, mas universal; isto é, contrariamente à psique pessoal ele possui conteúdos e modos de comportamento, os quais são ‘cum grano salis’ os mesmos em toda parte e em todos os indivíduos. Em outras palavras, são idênticos em todos os seres humanos, constituindo portanto um substrato psíquico comum de natureza psíquica suprapessoal que existe em cada indivíduo”.

Os arquétipos e o tarot

Levando em conta esse fato psíquico percebido por Jung, entendemos que a saúde mental é uma questão mais profunda do que poderíamos imaginar, pois além das marcas deixadas pelas experiências individuais temos marcas deixadas pelas experiências humanas coletivas e, como tudo na psique, isso não está separado, mas sim em inter-relação. Muitas das nossas emoções e questões pessoais podem ter raízes em questões coletivas e culturais.

Um bom exemplo para isso é o padrão de comportamento maternal e cuidador com o qual muitas mulheres, mães ou não mães, identificam-se.

Jung chamou de arquétipos esses padrões de comportamentos humanos que se repetem de forma semelhante ao longo da história da humanidade e se atualizam em cada cultura.

O arquétipo materno é algo muito associado ao feminino e às mulheres em geral, há vários anos na nossa cultura. Por isso, torna-se presente no inconsciente das mulheres, sendo muitas vezes nocivo e trazendo questões complexas, como a maternidade compulsória ou um complexo de cuidadora, em que a mulher sente-se na obrigação de cuidar de tudo e de todos o tempo todo, esquecendo de si mesma.

E esse é apenas um exemplo, entre infinitos outros, de como um arquétipo pode nos influenciar.

Como então podemos nos libertar desses padrões tão profundos para sermos mais autênticos com a nossa individualidade, descobrindo o que realmente faz sentido para nós?

Através do autoconhecimento. É aí que voltamos ao tarot, pois ele é uma das ferramentas que pode nos ajudar a compreender melhor esses padrões internos.

O inconsciente “fala” por símbolos

A linguagem do inconsciente é simbólica e não literal. Podemos observar isso muito bem através dos sonhos. Por exemplo: se uma pessoa sonha com uma onda gigante, não significa que ela passou ou vai passar em qualquer momento por um tsunami, porque os sonhos não são literais e sim simbólicos.

Precisamos compreender a onda gigante como símbolo. O que esse símbolo representa para a pessoa? Perigo? Medo? O que o excesso de água significa? Excesso de emoções? Confusão? O caminho é compreender o símbolo e, segundo Jung, um símbolo nunca se esgota, podendo trazer infinitos significados através da ampliação conjunta entre o terapeuta e o sonhador.

Por esse motivo tudo que é simbólico ajuda-nos na comunicação com o nosso inconsciente, já que a linguagem do inconsciente é essa.

Os sonhos são um exemplo de uma produção do inconsciente, que vem de dentro para fora. Trabalhando com a análise de sonhos podemos “ouvir” o que o nosso inconsciente está querendo nos dizer, ganhamos um mapa de como ele está no momento e vamos construindo pontes entre a consciência e o inconsciente.

Uma outra forma de construir essas pontes é de fora para dentro, através de ferramentas simbólicas que nos apresentem arquétipos e símbolos que podem conectar-se com a linguagem do nosso inconsciente, como por exemplo os contos de fadas, filmes, mitos, histórias, oráculos e, é claro, o tarot.

Provavelmente, todos nós tínhamos um conto de fadas favorito quando éramos crianças. E se formos uma pessoa atenta que trabalha no seu autoconhecimento, possivelmente percebemos, quando adultos, que os personagens ou a história do conto dizem muito sobre nós, nossas experiências internas e externas ou sobre algo que admiramos e gostaríamos de ser ou fazer.

O mesmo acontece quando vemos um filme e nos identificamos com um personagem ou detestamos outro. É algo que diz muito sobre como estamos nos sentindo no momento e sobre nossas emoções. E tudo isso pode nos ajudar a nos compreendermos mais profundamente.

O tarot e o fluxo saudável entre inconsciente e consciente

As cartas do tarot, especialmente as 22 cartas chamadas trunfos ou arcanos maiores, trazem em suas imagens nada mais do que arquétipos e em sua sequência uma história do desenvolvimento da psique humana.

Cada personagem de cada carta representa padrões de comportamentos humanos que carregamos em nosso inconsciente profundo e todos os símbolos presentes nas imagens são universais e dizem respeito às experiências da humanidade.

Por esse motivo, acessar essas imagens é acessar arquétipos e isso pode ser algo extremamente rico e proveitoso para entendermos melhor o que se passa em nosso inconsciente num determinado momento ou situação.

Em um jogo de tarot terapêutico, a pessoa não receberá visões, adivinhações e conselhos vindos de fora. Pelo contrário, ela aprende a compreender que já temos todas as respostas dentro de nós, mas que nem tudo está presente na nossa consciência. Então, muitas vezes precisamos de ferramentas que nos ajudem a “conversar” com essa parte profunda e escura de nós mesmos.

Dessa “conversa” entre a consciência e o inconsciente é que surgem os direcionamentos e respostas que buscamos. Quanto mais “iluminamos” o que não estávamos vendo, mais inteiros nos tornamos. Ganhamos mais autonomia e liberdade de escolha, compreendendo quais os padrões que nos influenciam e do que queremos nos libertar.

No livro Jung e o Tarot, a autora Sallie Nichols lembra-nos que o inconsciente e o consciente existem num estado profundo de interdependência recíproca, sendo que o bem-estar de um é impossível sem o bem-estar do outro.

O autor Laurens van der Post conta, no prefácio de um de seus livros, que Carl Gustav Jung buscava estudar profundamente qualquer linguagem ou ferramenta que pudesse ajudar na tarefa árdua de manter esse fluxo, essa interdependência em pleno funcionamento saudável.

Jung percebeu, nas palavras desse autor, “que o tarot tinha sua origem e antecipação nos padrões profundos do inconsciente coletivo, com acesso a potenciais de maior percepção à disposição desses padrões. Era outra ponte não-racional sobre o aparente divisor de águas entre o inconsciente e a consciência”.

É por isso que, em seu livro, Sallie Nichols dedica-se a nos transmitir o estudo profundo dos 22 arcanos maiores pela perspectiva da psicologia analítica, trazendo uma enorme contribuição tanto para tarólogos quanto para terapeutas.

“Uma viagem pelas cartas do tarot, primeiro que tudo, é uma viagem às nossas próprias profundezas”, diz Sallie Nichols. “O que quer que encontremos ao longo do caminho é, basicamente, um aspecto do nosso mais profundo e elevado eu. Pois as cartas do tarot, que nasceram num tempo em que o misterioso e o irracional tinham mais realidade do que hoje, trazem-nos uma ponte efetiva para a sabedoria ancestral do nosso eu mais íntimo. E uma nova sabedoria é a grande necessidade do nosso tempo – sabedoria para resolver nossos problemas pessoais e sabedoria para encontrar respostas criativas às perguntas universais que a todos nos confrontam”.

A autora ainda ressalta que os 22 arcanos maiores contam-nos uma história antiquíssima do desenvolvimento humano e do processo de autoconhecimento e ampliação da consciência ao longo da vida, que Jung chamou de individuação.

Acompanhando na sequência o significado de cada arcano, podemos ver esse desenvolvimento aprofundando-se a cada etapa, sendo essa mais uma forma rica de compreender onde estamos na nossa própria jornada interior.

Jung trouxe contribuições importantíssimas para o trabalho árduo de manter a psique em funcionamento saudável em uma sociedade e cultura “adoecedoras”.

Uma delas foi exatamente a percepção do funcionamento compensatório entre consciente e inconsciente e de que, por isso, a nossa consciência só pode ser ampliada através de linhas não racionais.

Precisamos dos símbolos, dos arquétipos, dos sonhos, da arte… Precisamos sair da linguagem racional para expandir a consciência e fazer contato mais profundo com o que não está sendo visto.

Por esse motivo, o trabalho com as imagens dos arcanos maiores no atendimento com o tarot terapêutico pode ajudar a trazer um salto de consciência no processo de autoconhecimento de um indivíduo, pois a pessoa distancia-se da linguagem racional e aproxima-se da linguagem simbólica, trazendo uma compreensão mais profunda sobre o que estiver em questão e ajudando a perceber outros aspectos mais amplos e outros significados.

Em busca do sentido e da totalidade

Segundo Jung, nós, seres humanos, somos “animais religiosos”, o que nada tem a ver com religião de fato, mas sim com a busca de sentido. Buscar sentido é algo inerente à experiência humana. Buscamos explicar o universo de todas as formas que podemos. Buscamos a sensação de conexão com algo “maior”, mesmo que esse algo seja uma explicação científica sobre de onde viemos, como na teoria do “big bang”. É a busca do ser humano por dar e encontrar significado e sentido na vida. Sem sentido nos tornamos tristes, perdidos, neuróticos.

Grande parte das patologias ou processos patológicos que os terapeutas presenciam na clínica tem a ver com a questão do sentido, ou melhor, da falta dele.

Quando a pessoa se desconecta de um propósito, quando ela para de perceber os significados subjacentes das experiências cotidianas, a vida torna-se mecânica e vazia. Por isso, o contato constante com a linguagem simbólica é tão importante.

Uma semente pode ser apenas uma semente ou pode ser uma futura flor, uma futura árvore. Ela pode ser também a esperança de uma nova vida, o renascimento, a sabedoria de que tudo é cíclico, o potencial do novo. Depende apenas de como a pessoa vê uma semente.

Quem dá o sentido somos nós. Mas para dar sentido é preciso sentir. É preciso sentir profundamente a vida. É preciso estar em contato com a vida, inclusive nos momentos mais difíceis. É preciso sentir também aquilo que dói.

Jung escreveu que a terapia psicológica não é um tratamento que vai tirar a pessoa da dor e levá-la para um lugar pleno de felicidade, porque isso não existe. “A vida acontece entre a alegria e a dor. E quem não se arrisca para além da realidade jamais encontrará a verdade”.

É preciso mergulhar fundo para “além da realidade” nas estranhas do inconsciente profundo para de lá, da lama, trazer os nutrientes que a nossa psique precisa para funcionar aqui fora. Afinal, a lótus, que é considerada pelos orientais a flor mais bela do mundo, nasce da lama.

Na maior parte das vezes, é no fundo que estão os nutrientes mais potentes da terra. Não dá para viver apenas na superfície confortável da consciência, até porque se ficarmos polarizados dessa forma, rapidamente essa situação deixará de ser confortável e se tornará terrível, seca, árida, vazia.

Precisamos estar mais abertos para encontrar sentido onde fizer sentido. É o sentido que dá a direção da vida. E como escreveu Jung, “o objetivo não deve ser a perfeição e sim a totalidade”.

Que possamos seguir em direção da nossa totalidade, aproveitando todas as ferramentas criadas pela incrível psique humana, tão criativa e rica, utilizando tudo que nos fizer sentido e que possa ajudar a nos conectarmos com o nosso próprio sentido interior.


Vanessa Martins – Especialista em Psicologia Analítica e taróloga há mais de 12 anos. Formada em Psicanálise, pós-graduada em Teoria e Prática Junguiana e pós-graduanda em Neurociência e Comportamento. Especializada em tarot mitológico, com estudos sobre as bases arquetípicas do tarot e seu uso terapêutico e também sobre os métodos e práticas de meditação e seus benefícios para a saúde mental. Trabalha com atendimento clínico terapêutico individual e com tarot terapêutico presencial e online. Ministra cursos e workshops presenciais e online.

 

Referências bibliográficas

Nichols, Sallie. Jung e o Tarô. Editora Cultrix.

Jung, Carl Gustav. Arquétipos e o inconsciente coletivo. Vol. 9/1. Obras Completas. Editora Vozes.

Jung, Carl Gustav. O Homem e seus símbolos. Editora Harper Collins.