Há algumas décadas, percebe-se o crescente interesse que terapias vibratórias, sonoras e musicais têm despertado. As razões para isso são sem dúvida variadas e envolvem desde uma busca por processos menos invasivos do ponto de vista físico-químico até a necessidade de se atuar em camadas mais profundas da constituição humana.
Existe, sobretudo, um reconhecimento da multidimensionalidade do ser humano em seus aspectos físicos, biológicos, anímicos e espirituais, para os quais os recursos oferecidos pela terapêutica convencional poderiam ser ampliados.
Assim, temos hoje um grande número de profissionais que se dedicam a pesquisar e desenvolver terapias complementares que se utilizam de recursos vibratórios, sonoros e musicais.
Os tipos e as possibilidades dessas abordagens parecem ser enormes. Nesse contexto, iremos apresentar, a seguir, algumas premissas, procedimentos e resultados do trabalho terapêutico com a mesa lira.
O que é a mesa lira
A mesa lira insere-se numa grande categoria de instrumentos voltados a terapias vibratórias, sonoras e musicais, hoje desenvolvidas por diversos terapeutas, em parceria com construtores de instrumentos em várias partes do mundo (1).
Sua concepção tem como base o monocórdio, um instrumento ancestral cuja invenção é atribuída a Pitágoras.
Ela é constituída por uma grande caixa de ressonância, suspensa por pés de madeira, embaixo da qual correm um número variado de cordas de aço (40 ou mais) montadas sobre dois cavaletes nas extremidades (Figura 1).
As cordas são tensionadas por meio de cravelhas de tipo similar às usadas em cravos e pianos. Todas as cordas são normalmente afinadas no mesmo tom, um ré em torno dos 73 Hz, mas podem receber outras afinações dependendo do uso e da abordagem do terapeuta.
Cabe mencionar que a escolha desse ré razoavelmente grave, visa a permitir, primeiramente, que seus harmônicos (tons que soam como coadjuvantes acima do tom principal) possam ser adequadamente percebidos na faixa auditiva do ser humano.
Sua escolha é também de ordem conceitual e musical (relacionada à centralidade do ré no nosso sistema de 12 tons) e validada pela experiência. Portanto, não se trata aqui de questões meramente acústicas ou de frequências específicas. O que mais importa nessa abordagem é a relação musical que o ré tem no conjunto dos nossos tons.
Panorama histórico
Considera-se que as primeiras “mesas liras” foram construídas por Joachim Marz(2), um musicoterapeuta suíço, nos anos de 1970.
A ideia de se receber as vibrações de um instrumento diretamente no corpo, com certeza não é nova. É comum um instrumentista encostar seu instrumento no peito, para sentir sua vibração.
Também não é improvável que em algum momento alguém tenha se deitado sobre um grande piano de cauda e recebido uma “massagem sonora”, ouvido e sentido no corpo uma música sendo executada.
O passo inovador foi fazer desse procedimento um processo terapêutico consciente e estruturado, desenvolvendo instrumentos e definindo configurações sonoras específicas para esse fim.
Nas décadas seguintes, essa ideia inspirou diversos terapeutas e construtores de instrumentos, primeiramente na Europa e espalhando-se em seguida pelo mundo.
Um dos terapeutas que integrou o trabalho da mesa lira à sua proposta abrangente de terapias vibracionais (que incluem técnicas envolvendo som, cor e movimento corporal) foi o músico e terapeuta francês Fabien Maman. A ele se atribui a proposta da utilização de tubos sonoros de metal, afinados segundo critérios específicos, em conjunto com a mesa lira. Seu trabalho é desenvolvido pela Tama-Do Academy(3).
Atualmente, esses dois músicos e terapeutas são fortes referências para essa abordagem e queremos aqui expressar nossa gratidão por terem aberto esse caminho e desenvolvido um processo terapêutico tão instigante e poderoso, do qual um número cada vez maior de pessoas beneficia-se no Brasil e em todo o mundo(4).
Forma de atuação
Como premissa desse trabalho, entende-se primeiramente que vibração acústica é um tipo específico de transmissão de energia, a qual age por propagação em algum meio material (sólido, líquido ou gasoso).
Ela possibilita, igualmente, que tenhamos uma experiência sonora, graças ao nosso aparelho auditivo, que tem como base o ouvido e todo o aparato neurológico a ele relacionado. A experiência tátil e a experiência sonora são, portanto, modos que o ser humano tem para perceber um fenômeno acústico.
Entende-se que ao perceber um estímulo sonoro somos levados a ressoar com ele na nossa constituição física e anímica. De certo modo, pode-se dizer que tomamos sua forma e somos afetados por suas qualidades e processos.
Isso implica que ao recebermos a ação da mesa lira passamos a participar de sua estrutura vibratória, somos de fato “tocados” pelo terapeuta. E este pode, assim, por meio do seu fazer sonoro-musical, conduzir um processo de transformação do estado do paciente.
Ao deitar na mesa lira, o paciente recebe os estímulos respectivamente pelas vias auditivas e por todo o corpo que está em contato com o instrumento. Como resultado, tanto o sistema nervoso quanto as estruturas líquidas e ósseas recebem a mesma informação. Esse fato pode induzir um estado de relaxamento profundo, movimentação de fluxos e aprofundamento da respiração, levando a um maior equilíbrio do ser como um todo.
Ao mesmo tempo, o estado alcançado caracteriza-se, conforme Sandler(5), por um aumento de ondas teta e, com isso, toda uma gama de experiências anímicas pode ser evocada, especialmente imagens e memórias.
Cabe todavia ressaltar que as experiências são bastante individuais e dependentes do conjunto dos integrantes do sistema que se estabelece entre o paciente, o terapeuta e o elemento vibratório-sonoro-musical. Cria-se, no processo, uma unidade inseparável entre esses elementos (Figura 2).
Reconhecer essa situação implica aceitar que se está lidando com um sistema complexo e dinâmico e que, portanto, tem em si uma dose considerável de imprevisibilidade. Cada sessão e cada paciente são únicos e podem reagir de um modo particular ao tratamento. Busca-se, todavia, reconhecer certas tendências e padrões que podem nortear a ação terapêutica.
As sessões com a mesa lira
As recomendações para o tratamento com o uso da mesa lira e dos tubos sonoros podem vir da parte de um profissional de saúde (médico, psicólogo ou fisioterapeuta, entre outros). Os pacientes podem igualmente buscar uma sessão pela simples curiosidade de conhecer essa abordagem.
Independentemente da linha de trabalho do terapeuta, faz-se na primeira sessão uma anamnese, para que se obtenha uma imagem do paciente. É também determinado o número de sessões, sendo normalmente estabelecido um mínimo de quatro, para que o trabalho possa mostrar seus efeitos, e define-se então a periodicidade em que irão ocorrer.
A partir dos dados obtidos na anamnese e da observação da respiração, da temperatura e da queixa trazida pelo paciente, é traçado um plano de atendimento para o processo terapêutico.
Ao deitar na mesa lira, o paciente é convidado a relaxar, a ir tranquilizando sua respiração e a se desligar das questões do dia a dia, para receber a aplicação do tratamento.
O terapeuta toca então o instrumento por algo entre 15 a 20 minutos. A técnica de execução é bastante simples, consistindo em tanger as cordas com a ponta dos dedos, de forma a produzir uma sonoridade contínua e fluida.
Conforme o propósito da sessão, o terapeuta pode lançar mão de diversos tipos de toques: trabalhar com intensidades diferentes, variações de andamento e variações de timbre proporcionadas pelo toque mais ao centro da corda ou mais próximo aos cavaletes, assim como utilizar pequenas células rítmicas.
Cada um desses elementos deve ser conhecido no seu significado e aplicado pelo terapeuta conforme a necessidade do paciente.
Num sentido amplo, o terapeuta compõe para o paciente uma jornada vibratória-sonoro-musical, visando a mobilizar suas próprias energias curativas e levá-lo a um maior estado de equilíbrio.
Ao fim da execução, o paciente pode ainda descansar alguns minutos sobre a mesa antes de ser convidado pelo terapeuta a se levantar.
Percepções dos pacientes
Após a sessão, normalmente os pacientes relatam suas percepções, que podem ser sensações físicas, pensamentos, imagens e memórias que emergiram em sua consciência, como pode ser lido nos relatos a seguir.
“Hoje, vieram muitas imagens, muitas lembranças de quando eu era pequena, por volta dos cinco anos”.
“Eu me senti ocupando um largo espaço e com um agradável peso da gravidade. Essa descoberta encheu-me de alegria, emocionei-me bastante. Era como ter vivenciado outra dimensão que sempre estivera ali, mas inacessível para mim. Experimentei como a vida é rica e bela. Senti gratidão por ter essa chance, por viver essa possibilidade”.
“Muitas imagens, cores, ondas, sempre de fora para dentro. Senti um calor percorrendo todo o meu corpo”.
“Estava com o nervo da panturrilha preso, e senti soltar”.
“Senti-me levitar e também desapareceu a dor no tendão que eu sentia quando cheguei”.
“Quando saio da mesa lira, sinto que o meu corpo está vivo”.
“Tenho dor nas articulações dos dedos das mãos e senti algo correndo por dentro deles, como se fosse um bichinho”.
“É um estado de semiconsciência que traz bem-estar e que me acompanha pelo resto do dia”.
“Como será conduzir o som? Puxei o som pelo pé esquerdo e chegou só até o plexo, descendo então e saindo pelo outro pé. Depois, não precisei mais puxar, o fluxo sonoro ia sozinho”.
Para melhor registrar o processo e a transformação ocorrida ao longo das sessões, é sugerido que o paciente faça um “diário de bordo” com aquilo de diferente que possa ter-lhe chamado a atenção entre uma sessão e outra. Os relatos a seguir são uma amostra do que pode ser vivenciado.
“Durante uma semana, meu sono ficou mais pesado e eu queria sempre dormir mais”.
“Estou mais centrada e consigo perceber quando vou me desestabilizar. Estabeleci metas para o fim de semana”.
“Tenho acordado com a sensação de que meus pés estão irradiando calor”.
“Minhas dores melhoraram muito. Estou há dez dias sem usar analgésicos ou anti-inflamatórios”.
Indicações e resultados
De modo geral, vê-se que a mesa lira pode ser indicada em situações em que há a necessidade de se alcançar uma maior soltura e fluidez nos processos tanto físicos quanto anímicos.
Conforme nossa experiência, vimos que o seu uso terapêutico pode ser benéfico como tratamento complementar para esclerose múltipla, fibromialgia, paralisia cerebral, problemas respiratórios, doença de Parkinson, diabetes, enrijecimento muscular, processos alérgicos, insônia, estresse, ansiedade, depressão e pânico.
Há situações em que ela também pode ser utilizada junto a outras terapias, tais como fisioterapia, fonoaudiologia e cantoterapia.
Como exemplos de tratamentos, seguem alguns pequenos relatos de pacientes que tivemos a oportunidade de atender.
Em um menino de oito anos, com paralisia cerebral, observou-se que ocorreu um maior relaxamento da musculatura e uma melhora na deglutição e na sustentação da cabeça.
Já num caso de esclerose múltipla, usou-se a mesa lira com o propósito de induzir um relaxamento profundo, como prevenção de possíveis crises.
No caso de um paciente com doença de Parkinson, observou-se uma melhora na marcha e da rigidez muscular.
Em outro paciente, com diabetes, em que já se observava uma perda da sensibilidade nas extremidades dos membros, foi relatada uma melhora da circulação e consequentemente um aquecimento nas pontas dos dedos e dos artelhos.
Outros campos em que a terapia com a mesa lira (por vezes em conjunto com os tubos sonoros) tem mostrado bons resultados são os tratamentos de depressão, ansiedade, estresse e pânico, em que principalmente os processos respiratórios podem alcançar um melhor equilíbrio.
Considerações finais
O trabalho terapêutico realizado com a mesa lira demonstra que ela pode trazer bons resultados para os pacientes.
Reconhecemos também que conhecer seus mecanismos de ação e aprimorar sua técnica de execução demanda ainda muita investigação e prática experimental.
Esperamos que a ampliação de seu uso possa fornecer um conjunto substancial de experiências mediante as quais esforços conjuntos de terapeutas e pesquisadores possam cada vez mais validar seus resultados e oferecer com mais eficácia seus benefícios a quem deles necessita.
Maria Inês Nigro – Musicoterapeuta, cantoterapeuta e terapeuta social. Trabalha há 28 anos com pessoas com deficiência, sob o olhar da antroposofia, em instituição beneficente e em consultório particular. É coordenadora da atividade de música nos cursos de formação em Educação Terapêutica, em São Paulo e Campinas.
Marcelo S. Petraglia – Músico, pesquisador, docente na Faculdade Rudolf Steiner, doutor em Psicologia Social, Música e Desenvolvimento Humano pela USP – Universidade de São Paulo, especialista em Musicoterapia Hospitalar e Organizacional pelo Centro Universitário FMU e mestre em Biologia Geral e Aplicada pela Unesp – Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho.
Notas
(1) Ver: Feeltone https://www.weplaywelltogether.com e Bernhard Deutz https://www.deutz-klangwerkstatt.de
(2) Ver: https://naturtonmusik.ch
(3) Ver: https://tama-do.com
(4) Atualmente, no Brasil, estima-se que mais de 120 conjuntos instrumentais desse tipo estejam sendo usados em clínicas, hospitais e consultórios em um bom número de cidades brasileiras. Ao certo, sabemos que nos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Bahia, Fortaleza, Piauí e Maranhão e no Distrito Federal, algum terapeuta trabalha com essa abordagem.
(5) SANDLER, H. et al. Das Ganzkörper-Monochord: Wirkung auf EEG und sujektives Erleben. Musik-, Tanz-und Kunsttherapie. Göttingen, v.19, n.3, p.110-120, 2008.
Referências bibliográficas
TEIXEIRA, Andressa. Musicoterapia receptiva com a mesa lira no período de desintoxicação em dependentes químicos: estudo randomizado controlado. Dissertação (Mestrado em Música) – Escola de Música e Artes Cênicas da Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2019.
KEARL, Annette M. The swiss ressonance monochord table: inquiry into the healing complexity and transformative power of sound. Dissertation Submitted to the Faculty of the California Institute of Integral Studies in Partial Fulfillment of the Requirements for the Degree of Doctor of Philosophy in Transformative Studies. California Institute of Integral Studies, San Francisco, CA. 2017.
METZLER, Anna M. S. A mesa lira e sua contribuição para a musicoterapia: um estudo do seu significado precedendo sessões de shiatsu. Trabalho de conclusão de curso – Pós-graduação em Musicoterapia Organizacional e Hospitalar. Faculdades Metropolitanas Unidas, São Paulo, 2013.