Meditação e credibilidade – Parte I

São várias as definições de meditação, porém com pontos em comum, como foco no presente, observação, relaxamento e, por fim, união com a consciência universal.

Segundo Roberto Cardoso, médico, doutor em Ciências pela UNIFESP e organizador de um curso de formação de facilitadores de Meditação em Saúde, do Departamento de Obstetrícia da Escola Paulista de Medicina, meditação é uma “técnica que induz a um estado alterado de consciência”, ou ainda, “procedimento em que se utiliza de uma técnica específica envolvendo relaxamento muscular em algum ponto do processo e relaxamento da lógica. Tem de ser um estado necessariamente autoinduzido, utilizando um artifício de autofocalização”.

Já Ricardo Mazzonetto, psicoterapeuta transpessoal e professor de pós-graduação na Universidade Municipal de São Caetano do Sul e na Universidade Estácio de Sá, diz que “meditar é perceber com clareza e em profundidade. A mente tranquila e alerta vai por um caminho diferente da reflexão. Meditar é compreender em profundidade, pois há uma integração ao objeto meditado (amor, paz, compaixão, por exemplo) e em algum momento desaparece a dicotomia entre ambos e então tem-se a compreensão da essência daquilo que se está meditando. E quando o meditador sai do estado meditativo, ele já tem a resposta ou seja: a compreensão da essência sobre aquilo que foi meditado, tendo sempre como escopo a união com a consciência universal”. Ele esclarece ainda que “a palavra meditação vem do latim meditare e significa ir para o centro, no sentido de desligar-se do mundo exterior e voltar a atenção para dentro de si”.

Com a quietude na Idade Antiga ou o barulho da era moderna

Na Idade Antiga, com a divisão do Império Romano em dois, um oriental e outro ocidental, os contatos com as duas culturas ocorreram devido às expansões territoriais dos impérios grego, romano, persa, chinês e indiano. Assim, houve um possível intercâmbio de ideias, costumes e crenças.

A Índia conheceu o período da compilação dos Upanixades, que contém os textos básicos do hinduísmo. Há estimativas quanto à sua tradição entre os séculos XVI a VII a.C.

No Egito antigo foi desenvolvido o esoterismo egípcio por Akeathon, com fundamentos e métodos de meditação, aproximadamente em 1350 a.C.

Na Idade Antiga, o budismo e suas práticas meditativas desenvolveram-se através do trabalho de Gautama, entre os séculos V e IV a.C.

Ainda nessa Idade, Patânjali escreveu sobre os sistemas básicos da yoga, possivelmente entre 200 a 400 d.C.

Foi também nesse período que João Cassiano, que viveu entre 360 e 435 d.C., criou o primeiro método de meditação cristã.

As características da meditação, na forma como ela é praticada, estão intrinsecamente ligadas ao tipo de cultura ou religião.

É importante lembrar que não há nenhuma obrigatoriedade de vínculo entre religião e meditação, embora muitas religiões cristãs ou não utilizem esse conhecimento como recurso para se acessar o divino.

Dentre os métodos de meditação laica destacam a transcendental e mindfulness ou atenção plena.

A meditação transcendental, criada em 1950 por Mahesh, é uma variação da tradicional meditação iogue, com a utilização do mantra AUM, respiração e concentração. Busca bem-estar e paz interior, proporcionando melhoras na saúde física e mental. Foi amplamente divulgada no meio artístico, especialmente pelos Beatles.

Mindfulness ou atenção plena é um método relativamente novo, desenvolvido na Universidade de Massachusetts, nos Estados Unidos, em 1979 e sem nenhum vínculo religioso.

Marcelo Batista de Oliveira, psicólogo do Centro Paulista de Mindfulness, explica que esse método, que tem origem no budismo, “não é apenas uma técnica, é uma outra maneira de se relacionar com o mundo. É um estado psicológico que emerge quando treinamos nossa mente em um tipo particular de atenção, no qual estamos mais atentos às experiências que ocorrem em nossas vidas a cada momento. Esse estado de atenção requer o treinamento concomitante de uma atitude mental aberta e não crítica, mas consciente e menos reativa frente a nossas experiências. Essa forma de meditar está sendo amplamente aceita por tratar-se de um método que possibilita uma adaptação bem mais rápida do que as técnicas formais de meditação, onde o silêncio e a quietude absoluta eram pré-requisitos para se desenvolver o estado meditativo, e onde várias pessoas não conseguiam superar a dificuldade de sentar-se em posição de lótus e de ficar paradas física e mentalmente, sem deixar-se incomodar pelos barulhos externos.“

No mindfulness, os barulhos externos não são totalmente ignorados. A percepção do barulho acontece, porém são utilizadas as chamadas “âncoras”, que de acordo com Roberto Cardoso são “artifícios de autofocalização. Na âncora, deve ficar toda a atenção do meditador, toda a sua energia mental.”

O foco de atenção pode estar na respiração abdominal ou diafragmática, também chamada respiração de raiz, na percepção do ar passando pelo nariz, na região do plexo solar ou hara (região do estômago), abaixo do umbigo ou “centro instintivo”, na região do peito ou do coração, que é o centro emocional, entre as sobrancelhas, em algum ponto de uma parede ou num desenho.

O foco também pode ser misto, abrangendo dois ou mais focos simultâneos.

As âncoras servem para aqueles momentos em que o pensamento tenta fugir, quando a pessoa pensa nas contas a pagar, no barulho da rua, no cachorro latindo. Ao invés de desistir de meditar, o meditador foca naquele ponto pré-determinado quando iniciou a meditação e retorna ao ato meditativo.

Meditações ativas

São várias as possibilidades de meditações ativas, sendo algumas delas mais conhecidas e por vezes classificadas apenas como arte marcial.

Outras podem ser criadas pelo próprio meditador, conforme ele vai adquirindo intimidade com a meditação e aplicando-a no dia a dia.

Meditação ativa

Dentre as práticas mais conhecidas de meditação ativa, podem-se citar o Tai Chi Chuan, Chi Kung e Yoga.

Além dessas, há um grande destaque também para as meditações ativas de Osho ou ainda para as meditações tântricas.

O que existe de comum em todas essas práticas, sem dúvida, é o movimento.

Cada técnica tem suas características próprias, porém os objetivos são bem próximos, como o de praticar a presença, obter relaxamento físico e mental e buscar por uma integração saudável envolvendo corpo, mente e espírito.

As meditações ativas também proporcionam a sensação de manter-se num estado meditativo para além do momento em que se está praticando.

Há um aprendizado do cérebro, irradiando esse conhecimento para o corpo, o que é, inclusive, comprovado pela neurociência.

Bases científicas, conceitos e resultados

Os primeiros estudos tendo por objetivo a comprovação científica da meditação foram realizados nos Estados Unidos, na década de 70, pelo Dr. Herbert Benson do Instituto Mente e Corpo da Faculdade de Medicina da Universidade de Harvard. As primeiras publicações ocorreram em 1975.

Também nos Estados Unidos, dessa vez na Universidade da Califórnia, o Dr. Robert Keith Wallace publicou, na Revista Science, seus estudos científicos sobre meditação transcendental. Através dessa técnica, comprovou cientificamente que as alterações de estados fisiológicos são reais quando se pratica meditação, particularmente no que se refere a respiração, batimentos cardíacos e metabolismo corporal.

Tanto Benson quanto Wallace concordam que, para desfrutar dos efeitos positivos da meditação, é necessário que o paciente mantenha a atitude de quietude mental.

Em um de seus estudos, Benson afirma que 60% das consultas médicas poderiam ser evitadas caso as pessoas usassem sua capacidade mental para combater naturalmente tensões que são causadoras de problemas físicos.

As investigações científicas iniciadas por Benson e Wallace continuaram e vários outros estudiosos e acadêmicos do mundo todo contribuíram para uma maior credibilidade, aceitação e uso da meditação, como Antoine Lutz. neurocientista e pesquisador do Instituto de Saúde e Pesquisa Médica da França, Richard J. Davidson, neurocientista e pioneiro da ciência da meditação, Ricard Matthieu, biólogo celular e monge budista há mais de 40 anos, Tania Singer, psicóloga, Olga Klimeck, psicóloga e neurocientista, Fernando Bignard, médico coordenador do Centro de Estudos de Envelhecimento da UNIFESP e Roberto Cardoso.

Do ponto de vista fisiológico, comprova-se a eficiência da meditação nos sistemas respiratório, endócrino, cardiovascular, neuropsicológico, digestório e imunológico.

Vários estudos, demonstram, inclusive, uma alteração na neuroplasticidade do cérebro.


Valéria Nunes de Oliveira – Pós-graduada em docência e prática da meditação pela USCS – Universidade Municipal de São Caetano do Sul. Autora da monografia Meditação e Credibilidade: estudos científicos.