Meditação mindfulness e sua aplicação na insônia

A insônia, dentre os distúrbios do sono, é umas das principais queixas na população brasileira e mundial, que se caracteriza por causar comprometimento em alguma área da vida do indivíduo, por exemplo social, ocupacional, educacional, acadêmica ou comportamental.

Na prática, para a definição de insônia podemos identificar dificuldades em iniciar ou manter o sono, ou um despertar precoce, por pelo menos três vezes durante a semana, sendo que esses sintomas devem estar presentes há no mínimo três meses, com repercussões físicas que podem ser distintas de indivíduo a indivíduo, incluindo alguns desconfortos como ardência nos olhos, irritabilidade, ansiedade, incapacidade de concentrar-se, dificuldade de atenção e memória, mal-estar e sonolência.

Hoje em dia, há uma tendência entre os pacientes de diminuir o uso de medicamentos utilizando tratamentos complementares respaldados cientificamente, como as técnicas de meditação mindfulness, que se constituem em um treinamento mental, cognitivo e com efeitos fisiológicos, com uma respiração mais compassada em um estado hipometabólico e de atenção direcionada.

As intervenções não farmacológicas estão se tornando particularmente atraentes e com um promissor potencial de ação, pois têm pouco ou quase nenhum efeito colateral, atuam nos aspectos cognitivos e comportamentais dos distúrbios do sono e têm certa durabilidade de efeito.

Atenção plena

Mindulness, que se identifica como uma prática de medicina complementar, tem suas raízes em técnicas meditativas orientais, podendo ser considerada uma “qualidade da atenção” ou um atributo da consciência, capaz de promover a melhora e o aprimoramento do nosso bem-estar.

Esse termo em inglês vem da palavra sati, que em páli, a língua original dos ensinamentos budistas, significa recordação ou lembrança, ou de smriti em sânscrito, traduzida como chamar ou trazer algo à mente, fixação intensa da mente sobre um objeto, atenção, “atentividade” e consciência.

Em português, o termo mindfulness pode ser traduzido por atenção plena, mente alerta ou ainda consciência plena. Tem sido definido no Ocidente como estar intencionalmente atento para as experiências internas e externas, que ocorrem no presente momento, sem julgamento.

Em 1979, foi criado no Ocidente um programa de meditação chamado Mindfulness-Based Stress Reduction (MBSR) ou Redução de Estresse baseada em Plena Atenção, voltado para a redução de estresse e dor crônica.

O diferencial desse programa é ter trazido para uma roupagem ocidental práticas de plena atenção utilizadas há séculos no Oriente. Desde então, essa técnica tem sido objeto de pesquisas no mundo inteiro.

Efeitos fisiológicos

Do ponto de vista operacional, a meditação pode ser entendida como um procedimento que se utiliza de alguma técnica específica (claramente definida), envolvendo estado alterado de consciência, com relaxamento muscular em algum ponto do processo e relaxamento da lógica. É um estado necessariamente autoinduzido, utilizando um artifício de autofocalização.

A meditação mindfulness, em relação à sua fisiologia, caracteriza-se como um estado alterado de consciência, em que o organismo se encontra em condição hipometabólica, dominado na grande maioria das vezes pelo sistema nervoso autonômico parassimpático, estando ainda o indivíduo em vigília.

As práticas de plena atenção apresentam os seguintes efeitos fisiológicos: hipometabolismo, diminuição de estresse e ansiedade, bem como de sintomas de depressão e recaídas, e declínio no cortisol, entre outros benefícios.

Indivíduos que têm dificuldade em iniciar o sono frequentemente exibem maiores estados de ansiedade e estresse do que aqueles que dormem normalmente. Especificamente, os processos mentais antes do sono, como hiperatividade mental e cognitiva, têm tido um significado maior na relação com a insônia, que também é frequentemente indicada como um sintoma de pacientes com distúrbios de ansiedade.

Estudos científicos

Estudos mostram que a meditação pode ser uma intervenção útil para o tratamento e alívio da insônia e também de sintomas de ansiedade e depressão, assim como para melhora na qualidade do sono.

Foi ainda demonstrada a efetividade da técnica meditativa no tratamento da insônia com base na redução do tempo de latência de sono, na melhora da eficiência do sono, no número de despertares e na melhora do tempo total de sono.

Estudando comparativamente a fisiologia do sono e a da meditação, parece que as técnicas de meditação são capazes de promover uma estrutura semelhante ao sono em certos aspectos.

Vários trabalhos mostraram uma diminuição da atividade nervosa simpática muscular, assim como da frequência cardíaca e respiratória, após a prática de meditação mindfulness, o que sugere que ela atua diretamente sobre o sistema nervoso simpático, diminuindo a atividade deste, resultando na redução dos sintomas de depressão e ansiedade e ajudando na manutenção de um sono de qualidade.

Desligar-se de pensamentos ruminativos e emoções negativas é uma premissa essencial na meditação mindfulness e manter a mente dissociada desses elementos pode ter resultado em uma menor identificação com esses estados emocionais e, consequentemente, com seus efeitos.

Pesquisadores sugerem que a redução dos sintomas de ansiedade por meio da meditação mindfulness ocorre através do reconhecimento de processos de pensamento discursivo, seguido por uma atitude de sustentação de uma postura mental focada e não reativa.

Em nossa pesquisa de mestrado e doutorado, pelo Departamento de Psicobiologia da UNIFESP – Medicina do Sono, concluímos que o treinamento de meditação mindfulness e relaxamento para insônia, realizado durante oito semanas, por três vezes ao dia, de forma mais curta e mais frequente, mostrou ser uma abordagem eficaz na diminuição das queixas de insônia e sintomas vasomotores.

Também observamos que esse treinamento melhora a qualidade de vida geral, bem como os aspectos físicos e psicossociais de mulheres que se encontram na pós-menopausa, além de reduzir sintomas de estresse, ansiedade e depressão.

Acreditamos que muito provavelmente esses resultados possam ser estendidos de alguma forma à população em geral.

Assim, hoje podemos entender que essas práticas ancestrais ganham cada vez mais força, não só pela sua popularidade, mas também pelos diversos estudos que vêm comprovando a sua eficácia de muitas maneiras, sendo atualmente uma realidade que a meditação pode de fato nos ajudar a ter um sono regenerador e de qualidade, fundamental para a manutenção de um estado de saúde de excelência.


Dr. Marcelo Csermak – Mestre e doutor em Psicobiologia pela UNIFESP, pesquisador e praticante especialista em mindfulness.