Meditação, pandemia e consciência: um olhar integrativo

Estamos em um momento doente. Momento de doenças coletivas. Pandemia, sim, mas se vista por um olhar integrativo, assim como é na meditação, pode-se perceber que se trata de uma pandemia de várias doenças e não apenas provocada por um vírus e suas variantes.

Evidentemente, não estou diminuindo a gravidade dos fatos e os resultados avassaladores, mórbidos e irreparáveis que chegaram ao mundo de forma global e extensiva a todos os seres humanos, independentemente de qualquer posição social, etnia, idade ou credo, mas, sim, inserindo nesse contexto todas as doenças e distúrbios decorrentes de uma situação esperada, embora negada, num cenário que junto com doenças físicas agregou doenças psicológicas e psiquiátricas, frente à ameaça constante de mortes e perdas, inicialmente descontrolada por falta de uma vacina ou remédios específicos.

E por que falo acima de uma situação negada? Não venho aqui polemizar sobre a origem de um vírus, não é esse meu papel. Meu estudo se dá no campo da conscientização e autoconhecimento e consequentemente do comportamento humano e suas possibilidades de uma mudança positiva que proporcione uma consciência interior maior, que posteriormente possa trazer benefícios também externos, tornando-se assim uma consciência coletiva.

O conceito de consciência coletiva foi criado pelo sociólogo francês Émile Durkheim, podendo ser definida como “o conjunto de características e conhecimentos comuns de uma sociedade, que faz com que os indivíduos pensem e ajam de forma minimamente semelhante”.

Quando indico que a piora da pandemia era esperada, estou me referindo, a princípio, ao comportamento humano individual, à dificuldade ou mesmo negação absoluta dos indivíduos em expandir a consciência ao ponto da empatia com o próximo.

Na prática meditativa, aprende-se através de exercícios respiratórios a focar em si para chegar a um estado de relaxamento profundo, um EAC – estado alterado de consciência, que pode proporcionar insights sobre sentimentos profundos que na correria do dia a dia não são percebidos. Atenção aqui ao termo foco em SI, que ao contrário do que muitos entendem não é uma atitude egoísta. Se fosse, não caberia a crítica à falta de empatia observada tão veementemente nesse cenário catastrófico e que tem se alongado por anos.

A meditação é muito mais do que um estado de relaxamento ou atenção plena a determinado objeto físico ou mental. Tanto o relaxamento quanto a atenção, ou foco, são caminhos para se chegar à meditação. Costumo insistir, em minhas aulas, sobre o erro amplamente divulgado nas grandes mídias de se utilizar o termo “meditação guiada”. Por quê?

Sendo a meditação um estado alterado de consciência, pode-se compará-lo, em sua classificação, com o sono ou os sonhos. Como guiar algo no outro? Impossível!

Nos relaxamentos guiados, ou yoganidra, o que se pode fazer é uma espécie de indução ao relaxamento, para que então o aluno tenha mais facilidade para ir ao encontro de sua única, exclusiva e intrínseca meditação.

E o que tudo isso tudo tem a ver com pandemia?

Pandemia e a falta de empatia e autoconhecimento

Sigamos o seguinte raciocínio, quase simplório, mas que talvez por sua simplicidade extrema, assim como é na meditação, não seja bem entendido num mundo onde o complexo é sempre hipervalorizado.

O raciocínio é: não quero para o outro aquilo que não quero para mim. Sou responsável por mim e pelo outro ao usar ou não a máscara. Sou responsável por mim e por uma quantidade considerável de pessoas ao me vacinar ou não. Numa pandemia, assim como o mal espalha-se, o comportamento positivo também pode se espalhar da mesma forma. Mas é necessário acessar a consciência e se responsabilizar pelos próprios atos.

Acima, falamos em pandemia, falta de empatia, consciência individual e coletiva e comportamento e seus resultados.

Consciência coletiva é, como vimos anteriormente, o que “faz com que os indivíduos pensem e ajam de forma minimamente semelhante”. O cenário pandêmico veio confirmar essa definição, só que de forma absolutamente negativa, pelo menos até o presente momento em que escrevo este artigo.

Quais foram os comportamentos e sentimentos humanos mais observados e divulgados desde o início dessa catástrofe em que estamos sendo atropelados diariamente? Citarei alguns: medo, pânico, terror, egoísmo, acusações, repulsa, quantidades evidenciadas no mal e no negativo, incapacidades e escassez do positivo, do bem e da esperança.

Primeiramente, correu-se aos supermercados para suprir-se daquilo que a imprensa divulgou que possivelmente estaria em falta nos próximos dias. Egoísmo: quem tinha como comprar o máximo possível assim o fez, sendo que chegaram a faltar muitos produtos necessários e básicos para toda a população.

Medo, pânico e terror: sentimentos irmãos amplamente presentes pela situação em si que já os legitimava, porém cultivados por ondas através de fake news, ignorâncias e maldades com ou sem propósitos.

Escassez: faltou de tudo nessa situação – bens materiais, bens emocionais, empregos, carinhos, abraços, presença, esperança.

Repulsa: assim como acontecia na Idade Média, percebe-se que no quesito sentimentos e consciência de si e do próximo estávamos bem aquém do mínimo ideal. Há uma diferença entre cuidado com o contágio e atitudes de repulsa a um ser humano que já está vulnerável emocionalmente em razão de uma doença grave. Uma pessoa com um aprendizado meditativo tem em sua experiência interior um discernimento mais amplo de sentimentos, sensações e, consequentemente, atitudes. O verdadeiro cuidado com o contágio implica um zelo consigo e com o próximo e é exatamente um dos maiores ensinamentos advindos da prática meditativa, o famoso Somos Todos Um.

A princípio apenas uma frase clichê do mundo esotérico e holístico, mas que, quando bem observada no exercício da meditação, pode trazer uma mudança considerável de comportamento humano.

Exemplificando: quando entro sozinha no elevador e não permito que outras pessoas estranhas entrem comigo, estou cogitando a hipótese de eu estar doente, quer esteja sintomática ou não, e buscando assim não contaminar ninguém. Também cogito a hipótese de não estar doente e de correr o risco de adoecer, caso algumas dessas pessoas insistam em partilhar o mesmo espaço. O mesmo pensamento deve ocorrer com o grupo de pessoas que estavam querendo entrar no elevador.

Mas essa é uma hipótese coerente. Na realidade do dia a dia, essa cena pode ocorrer de forma bem diferente.

Versão 1: a pessoa dentro do elevador empurra as que querem entrar, com frases ou gestos de repulsa.

Versão 2: as pessoas de fora do elevador, repudiam a atitude de defesa da pessoa que está sozinha no elevador.

Em ambos os casos, nota-se uma dificuldade de comportamento que, se fosse melhor trabalhada anteriormente no que diz respeito a individualidade, respeito, empatia e autoestima, faria com que todos se entendessem satisfatoriamente e não se colocassem numa situação clara de risco de contágio, por mera  falta de autoconhecimento e compreensão.

Meditação como prática transformadora

A meditação e as demais práticas integrativas priorizam o bem-estar individual da pessoa. Tratam cada paciente como um ser único que merece atenção. A escuta é requisito fundamental no bom desenvolvimento dos tratamentos.

Vivemos num mundo de cobranças extremas, competitividade e comportamentos doentes que muitas vezes passam como normais por serem maioria.

Esse momento pandêmico trouxe à tona todas as nossas dificuldades psicológicas e emocionais, até mesmo para aqueles que não davam muita importância para esse aspecto humano.

A meditação integra o autoconhecimento que por si só eleva a autoestima. Prioritariamente, o comportamento humano é estudado pela psicologia e é por isso que a meditação é uma das práticas integrativas.

“A abordagem integrativa é um processo que envolve diversas formas de tratamentos – convencionais ou não – e aponta para a i​ntegralidade do ser humano, reforçando a noção de que somos um todo e precisamos ser cuidados como tal. A partir desse ponto de vista, a cura é considerada não só um ato para debelar uma doença ou sintoma, mas um caminho amplo e subjetivo de aproximação com um estado de equilíbrio global” – Fonte: Cuidados integrativos – Especialidades – Hospital Sírio-Libanês.

Sendo a meditação uma prática integrativa capaz de modificar o comportamento humano, respeitando-se, evidentemente, a vontade individual do ser, há de se considerá-la como uma possibilidade transformadora em um momento pandêmico.

A falta de conhecimento é altamente prejudicial em quaisquer circunstâncias. A falta de capacidades sensoriais e empáticas também. As duas juntas, são pandêmicas.


Valéria Nunes de Oliveira – Pós-graduada em docência e prática da meditação pela USCS – Universidade Municipal de São Caetano do Sul. Formação em Fundamentos em Cuidados Integrativos: Introdução à Saúde Integral, pelo Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital Sírio-Libanês. Autora da monografia Meditação e Credibilidade: estudos científicos.